Hoje, enquanto escrevo esse texto, reconheço que estou há 60 dias em casa em decorrência do isolamento social. Assim como vocês, já passei por muitas fases. Uma semana antes de estourar a pandemia no Brasil, estava em São Paulo e lembro que ríamos do exagero de alguns paulistanos de máscara no shopping e os funcionários do supermercado passando álcool nos carrinhos. O vírus ainda parecia algo muito distante (ao menos para mim).
Uma semana depois, lembro de uma pessoa querida demonstrar muita preocupação sobre o cenário financeiro já no curto prazo, em decorrência do que estava por vir e eu dizia “não é bem assim, as pessoas não vão deixar de fazer tudo …” Isso aconteceu um dia antes de eu ficar totalmente em casa no isolamento.
Tive medo, muito medo. Voltei para casa aterrorizada depois da minha primeira ida ao supermercado, vendo nos olhos das pessoas o medo, usando máscaras, luvas e com os carrinhos lotados de mantimentos. Ver o medo delas, e que também era meu, foi impactante.
Apenas nas descrições desses três eventos, posso perceber e recordar de alguns dos julgamentos que fiz: exagero, minimização da preocupação do outro, exagero.
Quando começaram os casos em Porto Alegre, tive mais medo e então comecei a me perguntar “será que agora eu estou exagerando?” Me vi tentando convencer alguns familiares do que eu achava que era certo fazer e com alguns amigos agi um pouco mais sutilmente. Utilizei as “informações” que tinha (que mudaram ao longo do tempo) nesse processo. Provavelmente eles também tiveram seus julgamentos a respeito das minhas posições e colocações, talvez me consideraram exagerada em algum momento… é provável, pois eu mesma fiz essa reflexão.
O que posso dizer para vocês é que, na medida em que fui tomando consciência do “exagero de julgamentos”, fui tentando soltar deles, imaginando a minha mente como se fosse teflon, onde nada gruda (Sim! Adoro pensar em uma frigideira vermelha que frita ovos e não gruda nada!) Experimentei alívio! Ufa!
Não vou negar que foi um processo doloroso em alguns momentos, pois quando as pessoas que amo não estavam fazendo o que considero importante para preservar a saúde, doía! Porém, não tinha nada mais a fazer do que pontuar o que acreditava ser o ideal e reconhecer que o outro é livre para tomar as suas decisões à medida que tem as informações para fazer de modo consciente. Não é que eu tenha deixado de julgar o outro, eu continuei julgando, mas à medida que reconhecia o julgamento e que conseguia me “soltar dele”, me sentia mais leve. Não tenho dúvida de que as minha relações ficaram melhores quando comecei e evitar falar a minha opinião com tanta veemência, apenas comecei a colocar o que penso e deixar que cada um faça suas escolhas.
Do ponto de vista “eu comigo mesma”, diversas vezes me percebo julgando meus pensamentos e desejos, com dúvidas sobre o que fazer ou como me posicionar. Nos últimos dias, noto que começo a pensar como será o “novo normal”:
Quero ver meus pais (que moram em outra cidade), mas como vê-los e segurar o impulso de abraçar? Eu acho que consigo, será? Mas eles certamente não vão conseguir…
Voltar a atender no consultório, ok parece bom; em algum momento isso vai acontecer, mas como? Só deixar as janelas abertas, ok! Mas o inverno está chegando em Porto Alegre, então certamente estarei de cobertor. Mas e meus pacientes? Cobertor para eles também, ok! Ah! Mas não dá para compartilhar o mesmo cobertor. Esquece! Nota mental riscar a lista de compras cobertores para o consultório.
Preciso ir no salão!!!! Quero muito! Faxina completa: manicure, pedicure, depilação, corte e mechas no cabelo. Mas como vou ir lá se precisamos manter o isolamento social?
Poderia listar outros tantos pensamentos que surgem na minha mente, na maioria das vezes junto com a dúvida e a culpa. E novamente, a medida que tomo consciência deles, tomo perspectiva; o que já dá um pouco de alívio, porém tenho utilizado uma frase mental que me ajuda nesse processo: “Julguem-me!” (o tom da voz é humorística, vem com uma risada junto).
Essa é uma das minhas estratégias para tentar lidar melhor com esse momento, que pouco se sabe de “certo e errado” e que as dúvidas estão por todas as partes. A medida que uso o humor irônico e me permito rir, reconhecendo “que todo mundo julga tudo”, fica mais fácil escolher por onde ir.
Ter julgamentos não é errado nem ruim, é um jeito de avaliar as coisas e definir o que serve e o que não serve para nós naquele determinado momento. O julgamento se torna prejudicial quando ele nos machuca ou fere os outros, então observe ele passando na sua mente, e deixe-o passar, não se fixe a ele. Tome perspectiva e reavalie a direção que quer tomar.
Esse texto não tem a intenção de dar respostas, é apenas um convite à reflexão.
Julguem-me a vontade! (risos)
Texto originalmente publicado por Rafaela Klaus em http://terapiascontextuais.com.br/julguem-me/